quinta-feira, 26 de março de 2009

NO MEIO DO CAMINHO HAVIA UM DRUMMOND



Pensativo, pernas cruzadas, um livro nas mãos. Lá está ele. Absorto, livre, em alguma esquina de Pasárgada, nas terras de um amigo do rei, alheio às ondas da princesinha do mar, que quebram às suas costas, às partidas de futebol e volei, alheio... mas, de alguma forma, atento.
Como um artista, desses que vêm ao Brasil uma ou duas vezes na vida, Drummond se vê assediado. Ora, são aqueles anônimos que sentam ao lado, e com receio de pedir um autógrafo, fingem que nem notaram o tímido mais famoso de nossa literatura. Avesso à popularidade que seu trabalho despertou, Drummond fica bastante contrariado com tantas fotos, todas sem permissão. Alguns "apressadinhos" precipitam-se sobre seu pescoço, se enroscam como uma serpente e colam o rosto para um flagrante eterno. Pedem um sorriso, mas isso é perda de tempo. O movimento certamente o aborrece. Preferia que o deixassem em paz, que entendessem que o corpo do poeta é mero complemento. Adereço, talvez. A vida, tudo que ela é, e o que nunca será, está nas palavras, às vezes ditas, muitas vezes impressa em papel e no coração.
Mas, nesse tempo de cultura de massa e imersão de valores, quem está interessado em pensar, em ler? Um garoto se aproximou, olhou, perguntou ao pai quem era aquele velhinho verde, e obteve sua resposta. Olhou de novo, e perguntou se o poeta participava de chats, qual era o site oficial e quando sairía o DVD. E Drummond pensou, "no meio do caminho havia um gigabite...".
O poeta tem a certeza de que o escultor não quis lhe prestar homenagem alguma. Ao contrário, queria fazer uma brincadeira (de muito mau gosto). Ora, será que o cidadão não conhecia as mil e uma histórias sobre a timidez do homenageado? A essa altura, Drummond, exposto ao sol e à chuva, se pergunta o que levou alguém a tamanha insensatez. Paz e tranquilidade, agora? Só nos dias de tempestade, isso, se os surfistas não resolverem pedir algum conselho. Demorô, brou ! Seu óculos já foi levado inúmeras vezes.
A tarde cai. O poeta lembra dos bons e velhos dias, em que as homenagens à sua memória se limitavam às escolas, à leitura, ou reimpressão de seus livros e artigos. Aos poucos, o assédio diminui. Os carros da Atlântica se tornam escassos, e depois de tanto burburinho a calma parece chegar. O som do mar recita versos, trechos de colóquios entre sereias e tritões. A sensação o leva para Itabira, para uma janela, de onde pode contemplar a vida besta que passa. Deixa escapar um leve sorriso ao lembrar de Teresa. Mas, quando tudo parecia tranquilo, eis que percebe a chegada de alguns garotos. Um deles está agitando uma lata... um spray.


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