sábado, 9 de abril de 2011

GENTILEZA GERA GENTILEZA


A semana passada foi marcada por um episódio que já faz parte da história não só do Rio, mas do país inteiro. É claro que todos os detalhes do que aconteceu na escola em Realengo já foram esmiuçados pela mídia, mas uma constante nesses episódios trágicos da vida continua chamando a atenção: a curiosidade mórbida do ser humano.
Muitos reclamam do ‘espetáculo’ que os jornais trazem em suas capas. Seja o Meia-Hora ou O Globo, a idéia é a mesma: impactar, chocar, vender. Em cada esquina da cidade, no dia posterior ao fato, diversas pessoas se amontoavam em frente às bancas. O Dia, que aparentemente voltou a ser um dos mais apelativos jornais da cidade, trazia a capa em fundo preto, uma manchete grotesca (que não vou citar aqui) e fotos de terror absoluto, incluindo uma do atirador inerte na escada da escola. Resultado: pessoas chorando em frente à banca, raiva, ódio, trabalhadores que passaram o dia falando da mesma coisa e revendo as imagens caóticas. Deve ter sido um dia de muita dor de cabeça. E, claro, O DIA agradece aos milhares que compraram o exemplar. Foi o mesmo com todos os jornais. A disputa era pela manchete sensacionalista, valia de tudo, desde depoimentos de crianças apavoradas ao histórico feito às pressas da vida e ‘obra’ do ex-aluno.
Informações desencontradas pipocavam nos sites, fosse sobre o número de vítimas, as motivações (a mídia procurava desesperadamente uma razão para o caso); o teor de uma suposta carta etc etc. Imagens ao vivo pelas emissoras de TV repetiam insistentemente o número de vítimas fatais, e a cada entrada era um número diferente. Mães e pais em pânico foram mostrados à exaustão, os passos do ex-aluno desde o momento em que entrou na escola, se identificou, foi à biblioteca e entrou nas salas de aula eram repetidos em todos os intervalos.
Houve espaço também para os heróis, como o sargento super calmo que deu várias entrevistas e foi homenageado em público pelo governador Sergio Cabral. E foi assim o dia inteiro, a noite inteira e entrou pela madrugada. Resultado, audiência lá em cima.
Notaram que, ao contrário de qualquer outra matéria, as crianças tiveram seus rostos estampados em fotos e foram filmados indiscriminadamente? Foram entrevistados por diversos repórteres, desde o momento em que aconteceu o crime até a noite. Uma menina aparentando calma alarmante falava de sua fuga, da morte das amigas e já planejava o futuro... ?????? e o pior, essa mesma menina estaria no dia seguinte de manhã no programa daquela pessoa chamada Ana Maria Braga, que assim que viu a menina foi logo elogiando o cabelo comprido e penteado (feito nos bastidores, claro). E lá foi a menina ser massacrada por perguntas óbvias e tristes e pela risada fantasmagórica dessa senhora viciada em botox. PERGUNTA: CADÊ o respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente? Como é possível explorar dessa forma crianças que durante anos, talvez pela vida inteira, serão vítimas do que aconteceu aos seus amigos de sala?
Sobre o tal ex-aluno, a mídia o tornou um astro. Das crianças mortas, pouco se sabe, mas dele só falta um programa no estilo Por Toda a Minha Vida. Era um menino quieto, estudioso, segundo suas professoras; vítima de bullying (palavra nova para velhos hábitos); nunca teve namorada; era adotado pela tia pois a mãe era esquizofrênica e tentou suicídio; achou sensacional o 11 de setembro, segundo seu irmão (que tem voz de mulher e mora do DF); queria jogar um avião no Cristo Redentor; passava horas e horas na internet; era ligado profundamente em religião e apesar de citar a Bíblia se vestia, segundo disseram, como um fundamentalista islâmico; deixou uma carta pra lá de estranha... pelo menos pra gente, era um louco. Resultado: A GLOBO e todas as outras emissoras não conseguiram o que queriam, uma RAZÃO para o crime. Simplesmente não há ‘razão’ quando se fala em esquizofrenia. Que chato, plim-plim...

Agora, talvez seja a hora de pensarmos, não nas manchetes e nas TVs, mas em nós. A mídia só faz o que faz porque tem audiência. Enquanto alimentarmos esses vampiros que existem dentro de nós e que adoram ver tragédias, sangue e guerra e escombros e intriga e violência, nada muda. Na verdade, nada muda se você não mudar. Talvez, se o mundo fosse um lugar melhor as coisas fossem diferentes, pensam... mas gente, nós fazemos o mundo!
O título da crônica tem a ver com a percepção de um homem que também era visto como um louco por muita gente, talvez fosse, mas sua ‘loucura’ era baseada no amor, na tolerância, na amizade. ‘Gentileza gera Gentileza’ não será manchete, não venderá milhões de exemplares, não vai atrair patrocinadores. É apenas uma idéia, uma sugestão de pauta para nossas vidas.