terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

PARANÓIAS DE NOVA YORK EM 2025 - II

Acordei cansado. Sem vontade de levantar. Acho que é por causa do tempo. Também, essa nuvem cinza não passa. Fui até a cozinha, preparei o café sintético. Coloquei as luvas e peguei o jornal, levei até o identificador de armas químicas. Nada na tinta...nada no papel. Nada de novo no mundo. A Africa foi declarada, oficialmente, zona de experimentação, e os últimos testes com a B999 mostram que o ser humano realmente não resiste às moléculas de desintegração em massa. O problema é que a matéria-prima para os testes já se torna escassa. Esses jornalistas exageram. Se acabar, a gente pode experimentar nos brasileiros.

Às vezes sinto falta da televisão, mas, desde que revelaram que os terroristas haviam descoberto uma forma de hipnotismo suicida através das ondas e dos programas de auditório eu é que não vou me arriscar. Fiquei um tempo ouvindo o velho Bruce e sua "Born in the USA". Ele é demais... quer dizer, era. Não dá pra acreditar que jogaram um avião no palco, ainda não me acostumei. Só sobrou o Michael Jackson, mas, quem é que vai confiar num cara verde-metálico?
Bem, segui então para o meu trabalho. O carro não funciona direito desde o último pulso eletromagnético. Mas, acabou pegando. Pelo caminho, vi crianças brincando em um parque. Lembrei do tempo em que elas não usavam pele artificial, nem precisavam de roupas plásticas anti-tóxicas. Aliás, nem sei como elas conseguem correr com aqueles aparelhos de ar nas costas. Ah, reparei também numa senhora com uma sacola de compras. Parecia bem, apesar do exoesqueleto. Acho que a pior arma que usaram contra a gente foi a que acelerava a osteoporose. Num belo dia, fui brincar com um sobrinho, e quando o segurei pela cintura o moleque quebrou ao meio.

As câmeras de vigília são realmente fantásticas. Ninguém mais reclama de ser observado dentro e fora de casa. Claro que o toque de recolher e a Lei Marcial ajudam nessa calmaria. Chato foi acabar com o basquete e os outros esportes. Tudo por culpa daqueles terroristas idiotas e suas bactérias disseminadas pelo suor.

Quando chego à portaria do prédio percebo que ainda não me adaptei. Esse negócio de ficar mais de vinte minutos na descontaminação é horrível! Só que o pior é trabalhar com propaganda. As coisas estão difíceis, as pessoas vivem com tanto medo que pensam dez anos antes de comprar um novo produto. Se ao menos ainda tivéssemos o mercado europeu. Quer dizer, se ainda houvesse uma Europa.

O dia foi longo, até porque, os malditos chineses disseram que não vão aceitar um acordo de paz. E o nosso presidente ainda quer que fiquemos calmos. Disse, na última transmissão, que nada vai abalar a confiança do povo americano no seu governo, e suas decisões acertadas. Particularmente, não acho que foi uma boa idéia derrubar a Muralha, e, além do mais, é fácil pedir calma ao povo falando de uma confortável estação lunar.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

VALORES


VALORES


Ela chegou calada, como de costume. Ele estava lendo um livro, como de costume. Ela sentou ao seu lado no sofá, como de costume.

- Precisamos conversar.
- Conversar...
- Olha, eu sei que a gente não está muito bem. Que as coisas esfriaram nos últimos meses. Acho que faz parte, que as coisas são assim mesmo.
- Assim mesmo.
- Bem, eu pensei muito, muito. Afinal, bem, estamos juntos há vinte anos.
- Vinte anos...
- Pois é, acho que fizemos nossa história, tivemos momentos inesquecíveis. Lembra de 94, em -Paris? Ah, acho que nunca me senti tão feliz.
- Feliz.
- É, isso!
- Isso.
- No início era até legal, mas não é mais. Eu preciso me encontrar, e decidi que...que...não vai ser com você.
- E?
- Como, "e"? estou dizendo que estou encerrando nosso relacionamento. Sei que é um choque para você, mas não dá mais. Por favor, não insista. Eu cresci muito e você também, somos dois adultos e não precisamos agir como trogloditas.
- Trogloditas.
- É o F I M, entendeu? Chega, não agüento mais suas manias perfeccionistas, seu jeito de desdenhar das minhas amizades, sua esquizofrenia debilóide de não dar atenção e ainda ficar repetindo sempre as últimas palavras das pessoas. Acho que você não está me levando a sério, mas eu te digo, é bom você se acostumar em nunca mais me ver. Quer fazer o favor de olhar pra mim e largar esse livro idiota???!
- É do Gabriel Garcia Marquez.
- E daí? É um idiota, como você é um idiota. Todos os homens são idiotas! Quer saber. Eu tenho outro.
- Outro idiota?
- É grrrr!!! muito melhor que você! É o Arnaldo. Isso mesmo, seu advogado. Pronto, falei.
- Tudo bem.
- Tudo bem? Eu sabia que você era frio, mas isso é ridículo! - ela levanta furiosa e faz a mala. Põe o seu melhor vestido, enxuga as lágrimas e volta à sala. Ele ainda está lendo.- Acho que isso é um adeus.
- Eu queria te pedir uma coisa.
- Não adianta você pedir pra eu ficar. Acabou, entendeu? Acabou!
- Tá, tá, eu sei... faz um favor? Desliga o fogo antes de sair, os meus ovos cozidos já devem estar prontos.