sexta-feira, 23 de maio de 2008

O GRANDE CLÁSSICO




Era, sem dúvida alguma, o confronto mais esperado dos últimos tempos: católicos versus evangélicos.


Desde a reforma de Lutero os dois times esperavam por uma oportunidade dessas. À direita das cabines de rádio o saltitante e carismático time liderado pelo alegre padre Marcelo Rossi dava a quinta volta ao redor do campo, gritando "aleluia, aleluia". Do lado esquerdo, o aplicado séquito de Macedão se aquecia praticando exorcismos.


A venda de ingressos sem fins lucrativos superou as expectativas. Multidões se acotovelaram nas bilheterias do Maracanã e muita gente saiu machucada. No entanto, ninguém reclamou. Os mais machucados (incluindo alguns pisoteados) erguiam as mãos para o alto e davam graças pela oportunidade de purificação.


É preciso lembrar que acusações de parte à parte marcaram esse confronto de titãs: a Coordenadoria Especial Universal –CEU- acusou o carismático Marcelo Rossi de plágio, alegando que as danças praticadas pelo religioso foram criadas nos templos evangélicos. A CEU condenou também um suposto abuso de autoridade por parte do dirigente radical Bento XVI, que teria tentado subornar o árbitro indicado para a partida com uma suposta salvação eterna. Aliás, dirigentes católicos afirmaram no programa da Ophra Winfrey (algo parecido com o programa da Hebe Camargo, só que no padrão de primeiro mundo) que assinaram um contrato de exclusividade com Jesus, o que causou ruidosos protestos. Os católicos, no entanto, refutaram as acusações, e Padre Zeca disse que roubo maior seria colocar os tais atletas de Cristo – uma seita que envolve profissionais de vários clubes brasileiros - em campo (pediu, inclusive, exame de sanidade mental desses jogadores).


A guerra de marketing foi transcendental ao longo de toda a semana: Bispo Macedo surgia de dez em dez minutos em seu canal de tv para lembrar da importância de uma torcida vibrante na hora do jogo; Marcelo, Zeca e Jorjão fizeram missas abertas nas praias do Rio e sortearam pranchas de surf e ingressos para bailes funk. "Maresia celestial pura, galera!", dizia Jorjão.
No dia do jogo o Maraca estava entupido. No gramado, os capitães foram tirar a sorte. O árbitro, Paulo Coelho, que não é católico nem evangélico, mas é imortal, jogou a moeda para o alto. Quando foi verificar o resultado... MILAGRE!!!! A moeda sumiu. Macedo acusava Marcelo, chamando-o de inquisidor ladrão. O padre favorito das redes de tv revidou lembrando que o Bispo era tesoureiro – alusão ao cargo ocupado pelo suicída Judas Iscariotes há algum tempo. Antes que chegassem às vias de fato, Paulo Coelho sorriu e pediu calma. A moeda apareceu na palma de sua mão. Era mais uma brincadeirinha do mago.


A partida foi disputadíssima. O ex- governador Garotinho coordenava a defesa evangélica com pessoas de confiança, destaque para o zagueiro central bispo Rodrigues; o ataque tinha craques do passado, como Zinho e Muller (que hoje é dançarino, exorcista e comentarista esportivo). Os católicos atacavam com os padres surfistas, que fizeram questão de usar uma camiseta com os dizeres: Aloha from paradise. Os garotos confiavam totalmente na experiência da defesa, composta por Paulo VI e João XXIII. No banco de reservas estavam São Paulo, São Francisco e São Judas Tadeu (que só entra em último caso).

No último minuto, de um zero a zero emocionante, o juiz, que fez chover quando quis e controlava o jogo levitando a meio metro do chão, marcou um pênalti a favor dos católicos. Cid Moreira, narrador oficial, por ter a voz parecida com um trovão, engoliu em seco: "É agooooooora, caros ouvintes, ao apagar das luzes..."
Marcelo Rossi pegou a bola, beijo-a, cantou a antiga música do passarinho quer dançar, e proferiu:

- Quero que o mundo acabe, se eu não marcar!
No gol, Macedo (que substituiu o goleiro titular, expulso por ficar chutando uma santa que estava atrás de sua balisa) definiu:
- Quero que o mundo acabe, se eu não pegar !!!!
A partida não chegou ao fim, pois, naquele instante crucial, Deus atendeu ao desejo de ambos.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

VALORES

Ela chegou calada, como de costume. Ele estava lendo um livro, como de costume. Ela sentou ao seu lado no sofá, como de costume.
- Precisamos conversar.
- Conversar.
- Olha, eu sei que a gente não está muito bem. Que as coisas esfriaram nos últimos meses. Acho que faz parte, que as coisas são assim mesmo.
- Assim mesmo.
- Bem, eu pensei muito, muito. Afinal, bem, estamos juntos há vinte anos.
- Vinte anos.
- Pois é, acho que fizemos nossa história, tivemos momentos inesquecíveis. Lembra de 94, em Paris? Ah, acho que nunca me senti tão feliz.
-Feliz.
- É, isso!
- Isso.
- No início era até legal, mas não é mais. Eu preciso me encontrar, e decidi que...que...não vai ser com você.
- E?
- Como, "e"? estou dizendo que estou encerrando nosso relacionamento. Sei que é um choque para você, mas não dá mais. Por favor, não insista. Eu cresci muito e você também, somos dois adultos e não precisamos agir como trogloditas.
- Trogloditas.
- É o F I M, entendeu? Chega, não agüento mais suas manias perfeccionistas, seu jeito de desdenhar das minhas amizades, sua esquizofrenia debilóide de não dar atenção e ainda ficar repetindo sempre as últimas palavras das pessoas. Acho que você não está me levando a sério, mas eu te digo, é bom você se acostumar em nunca mais me ver. Quer fazer o favor de olhar pra mim e largar esse livro idiota.
- É do Gabriel Garcia Marquez.
- E daí? É um idiota, como você é um idiota. Todos os homens são idiotas! Quer saber. Eu tenho outro.
- Outro idiota?
- É grrrr muito melhor que você! É o Arnaldo. Isso mesmo, seu advogado. Pronto, falei.
- Tudo bem.
- Tudo bem? Eu sabia que você era frio, mas isso é ridículo!- ela levanta furiosa e faz a mala. Põe o seu melhor vestido, enxuga as lágrimas e volta à sala. Ele ainda está lendo.- Acho que isso é um adeus.
- Eu queria te pedir uma coisa.
- Não adianta você pedir pra eu ficar. Acabou, entendeu? Acabou!
- Tá, tá, faz um favor. Desliga o fogo, que os meus ovos cozidos já devem estar prontos.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

MERECIMENTOS


Merecimentos


Eu tinha uma reunião em São Paulo, o vôo estava atrasado em mais de duas horas, só isso explica minha atitude. Sentei na poltrona e deixei minha cabeça vagar nos números que apresentaria na reunião. Nunca gostei de viajar com tempo ruim, isso sempre me deixou irritado. O fato é que assim que deixamos o chão a pessoa começou a assobiar. Até aí, tudo bem, o problema é que aquilo começou a cantarolar também. Pagode! Odeio pagode. Cmon, estávamos na primeira classe.

Durante vinte minutos tentei negar a existência do ser, mas, de nada adiantou. Depois das músicas de pagode, meu silêncio foi invadido por um ruído intermitente, um virar de páginas que não parava. Olhei para trás e encarei o indivíduo. Devia ter uns vinte e poucos anos, e o terno rosa nada tinha a ver com o que aconteceu. Eu odeio homossexual, mas esse não era o problema, não sou preconceituoso. Não é porque você odeia que você vai ter preconceito, entende?
Queria que meu olhar de fúria cega causasse a sensação de medo na pessoa, mas o máximo que ele fez foi franzir as sobrancelhas, levantando uma e abaixando a outra, e perguntar se eu estava sentindo alguma coisa. O engraçadinho perguntou se eu estava com fome. Sem responder, voltei a minha posição e resolvi me acalmar.

Meia hora depois, alguém teve a infeliz idéia de ligar a tv. O filme era Priscila, a Rainha do Deserto. Pronto, eu sabia que as coisas não iam acabar bem. O cidadão não conseguia se conter, dava gritinhos e, não satisfeito, cantava todas as músicas. Quer dizer, cantava é força de expressão. Ele berrava, e como era desafinado. Chamei a aeromoça e ela foi pedir silêncio ao camarada. A pessoa disse que vivia numa democracia e tinha todo o direito de se expressar como julgasse melhor. Nessas horas, sempre tenho saudades do meu tio general.
Mas, a pior parte ainda estava por vir. Do lado de fora, a tempestade engrossava, e a cada relâmpago a criatura dava um gritinho e chutava minha poltrona. Cansado da situação, levantei-me e esbravejei contra a criatura.

- Será que o senhor pode se comportar como um ser humano normal?
- Quem, eu?- disse a coisa, com a língua presa, olhando para os lados, fingindo não entender.
- É, o senhor mesmo. Seu comportamento é, no mínimo, desagradável. Estamos num avião e devemos respeitar a individualidade de cada um. Será que dá pra entender?
- Eu não dou nada! Isso é uma cantada? Olha que eu te processo por assédio sexual, heeeein!
Tenho que confessar que me descontrolei. Parti pra cima da pessoa, que gritava como um alucinado.
- Socorro, helllp, ele quer me estuprar!!!!!

Eu queria mesmo matá-lo, mas fui impedido por outros passageiros. A aeromoça disse que alguém queria trocar de lugar comigo, mas eu não quis. Nunca fugi de nada e não seria aquela a primeira vez.

Pouco depois, as coisas saíram do controle. Pensei que era uma simples turbulência, a princípio. Quando ouvi o comandante pelo auto-falante soube que algo estava errado. Ele explicou que estava com problemas em uma das turbinas e por isso perderíamos altura. Só não disse que aquilo ocorreria imediatamente, nem que seria uma coisa tão abrupta. Meu estômago veio à boca, e antes que eu começasse a rezar o rapaz de rosa deu um berro que encobriu todas as outras reações.
- Ai meu Deus! Aí vou eu...aí vou euuuuuuuuuuuuu.

O cara estava sem o cinto, e segurava no meu pescoço enquanto o avião caía. Tentei me esquivar e acabei levantando. Lembro que voamos pelo corredor, enquanto tentava me desvencilhar. Aí o rosinha se segurou na porta de emergência. A gritaria era tanta que não eu conseguia entender o que ele dizia, era algo como "eu não vou sozinho, eu não vou sozinho!!!". Quando consegui me virar, o desgraçado abriu a porta, e, bem, quando acordei já estava aqui. Aliás, que lugar é esse? Será que não dá pra ligar o ventilador?

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Branco, Preto e alguma coisa por trás





Alguns mistérios ultrapassam a fronteira dos anos e se perpetuam no imaginário popular como grandes enigmas da humanidade. Como foram feitas as gigantescas pirâmides do Egito? Como os dinossauros foram extintos? Por que o calendário Maia só vai até 2012? E, finalmente, o que é Michael Jackson?
No início da década de 70, a família Jackson Five (que eram sete) era uma unanimidade mundial, dizem que até os líderes da Ku Klux Klan tinham seus discos. Michael, além de vocalista principal, era o cartão de visitas do grupo. Canções como Ben, Happy, One Day in Your Life e Music and Me deixavam marcas indeléveis em quem parasse para ouvir. Os Jacksons eram tão importantes quanto os Flintstones ou os Jetsons. Tão mágicos e eternos quanto.
Infelizmente, o tempo passou, e o encanto, como sempre, foi se desfazendo. Em 1979, Michael, em carreira solo, lançou Off the Wall, enquanto os irmãos tentavam seguir seu rastro. O menino de sorriso cativante iniciava um caminho sem volta. Aquele foi o último disco como black Michael.
Os fãs se multiplicavam numa velocidade somente superada por aquela usada pelo rapaz para se transformar. Thriller, de 1982, já apresentava ao mundo uma outra pessoa. Os cabelos encharcados de gel e as roupas coloridas faziam parte do visual de qualquer adolescente dos 80, só que havia algo mais. O próprio clipe do disco mais vendido de todos os tempos mostrava, numa superprodução, que Michael Jackson não existia mais. Em seu lugar surgia algo diferente.
Provando que a realidade é mesmo um ótimo lugar para se visitar, mas quase ninguém gosta de morar nela, Michael superou toda e qualquer aventura cinematográfica. Como um trem fantasma desgovernado, Mr. Jacko provocava um susto à cada aparição. A música tornara-se um acessório, algo a ser incluído nos pacotes promocionais. Dá para contar nos dedos os sucessos do popstar, a partir de Thriller.
Assumindo, literalmente, o epíteto de Monstro Sagrado, o ex black se deixou levar por um mundo particular, cheio de criancinhas e adolescentes, com direito a parque de diversões em seu quintal e atitudes suspeitas. Dizem as más línguas que nesse período Mike teria fechado um acordo com uma fábrica de chocolates e gravado um comercial em português, onde aparecia dizendo: "Eu só como Garoto".
Se o cantor desaparecia junto com a cor original, fatos e boatos pipocavam: Michael casou-se com a filha de Elvis e gravou um clipe para mostrar que suas curvas, seus cabelos e seu batom eram mais insinuantes que os da esposa; depois, teve filhos – três até agora-, todos de pais desconhecidos; e, após ser coroado como rei na África, ter comprado o direito das músicas dos Beatles e um terreno em Vênus, Michael resolveu fazer algo para chamar a atenção: após ser agraciado com o prêmio Bambi 2002, (não é piada), Michael apareceu na janela de um hotel e balançou um de seus rebentos como se fosse um boneco.
Assim como pirâmides e discos voadores, cada geração tentará explicar, sob referências distintas, o que é Michael Jackson. Seja como for, seu comportamento já é uma lenda, e mesmo hoje, vendo-o andar como um boneco e ouvindo sua voz pífia e metálica, muitos desconfiam de que ele não passa de um truque de imagem.