quarta-feira, 15 de outubro de 2008

O ESTUPENDO






Estava decidido: Ademar entraria no mundo do espetáculo. A carreira de arquiteto não deu certo, e não foi porque a casa caiu, isso podia acontecer com qualquer um. Na hora de pagar, todos gostaram do isopor, pensava. Depois disso, resolveu inovar e decidiu criar o projeto do Aviãozinho Zuuuum. Um brinquedo que girava velozmente, preso a uma haste. Um dia a haste quebrou. Sejamos francos, Ademar não teve culpa daquele senhor de 90 anos ter inaugurado a atração. E a polícia, a bem da verdade, até hoje não confirmou se o cidadão morreu por causa do vôo ou porque o aviãozinho se espatifou na montanha russa.

Queria ser famoso, tinha que fazer algo impactante. Depois de estudar a vida e as peripécias de Holdini, Ademar, o Estupendo, como passou a se chamar, viu que atuar nas ruas seria suficiente para ganhar adeptos.

Virou escapista, mestre em fugas impossíveis. Com a ajuda de Guilherme, um sobrinho recém chegado do Amazonas, foi para o Largo da Carioca, no Rio de Janeiro, e anunciou seu número. Acorrentado pelo partner (com força excessiva), fingiu que nada sentia. Isso, até o momento em que Gui colocou o saco plástico em sua cabeça e apertou o barbante. O Estupendo só conseguia emitir sons guturais, o público ria e achava que fazia parte do espetáculo. Gui, forte como um touro, pegou o tio, que esperneava, e lançou-o dentro do tanque.

A idéia era que o Estupendo escapasse em um minuto. Sem conseguir respirar direito, Ademar procurou se concentrar em pegar a chave das algemas no fundo do tanque. Deveria estar lá, mas Gui não foi avisado que tudo era um truque. Pegou a chave e guardou. A platéia estava hipnotizada. Aquela figura se debatendo como louco e jogando o corpo contra as paredes de vidro era uma imagem chocante.

Guilherme tentou ajudar e fez todo o possível para segurar o tanque. Só parou quando notou a coloração azulada do tio, e alguém informou que já se passara mais de dez minutos. Ademar ficou um mês se recuperando, mas escapou.
O Estupendo mudou de estilo, malhou o corpo, tomou anabolizantes e se transformou numa espécie de Silvester Stalonge. Fez contatos com a imprensa. Naquele domingo, várias equipes de reportagem estavam no terreno que Ademar alugou. Nas entrevistas, mostrou segurança e sorriu para as câmeras com naturalidade comum as grandes estrelas. Sabia que a partir dali a vida seria diferente. O intrépido aventureiro do impossível foi acorrentado a dois caminhões. A expectativa era a de que ele conseguisse puxar os dios veículos, aproximando-os. Ademar olhou para os lados, para frente, para a cãmera. Após a concentração, começou a forçar as correntes com o máximo de força possível. por alguma razão, incompreensível para ele, os caminhões não se moviam... nem um centímetro. Ele riu, desconcertado, suando em bicas. As vaias não demoraram muito, e as gargalhadas tornavam tudo ainda mais patético.
Guilherme não queria errar de novo, mas, ao ver o tio a ponto de ser linchado, não teve dúvidas: correu em direção a um dos caminhões e entrou. Ademar já estava sentindo o cansaço, então olhou para um dos veículos e, estarrecido, viu o sobrinho fazendo um sinal de OK. Tentou gritar, mas havia muito barulho. Gui não teve dúvidas: ligou o motor, engatou, sem querer, a marcha-ré, e pisou fundo.
Ademar se tornou uma atração internacional, apareceu até na CNN. Era a primeira vez que a TV mostrava uma tragédia com tantos detalhes.

Nenhum comentário: