sábado, 19 de fevereiro de 2011
QUANTAS VIDAS HÁ EM UM LOBO?
A vida passa rápido demais... e você tem poucas opções, na verdade tem apenas duas: ou a leva para onde achar melhor ou deixa que ela te leve para um lugar qualquer e depois não adianta reclamar.
Essa reflexão em cima de velhos clichês chega após a leitura da biografia do Lobão, “50 anos a mil”. João Luiz teve uma vida bem agitada até aqui e justifica plenamente o título do livro, que tem 600 páginas.
Particularmente, Lobão sempre me pareceu um bom vivant, um carinha que sempre teve tudo e por isso mesmo fazia a pose de insatisfeito, de coitado, de vítima, para chamar a atenção da mídia, estar em evidência. No caso, minha preconceituosidade se mostrou bem distante da realidade.
Woenderbag Filho é um ser altamente complexo em seus rompantes, por vezes maníaco-depressivos. Se na infância e adolescência suas aventuras são repletas de energia e expectativas, se tem seus medos, suas vitórias e suas dúvidas, como qualquer um, aos poucos passa a viver um mundo de estranhezas a la Lovercraft, em que se sente vazio, tendo de conviver com uma família que lembra muito os Adamns. Os conflitos com o pai, que degringolam para a violência musical explícita, quando quebra um violão na cabeça de seu progenitor; a ‘coisa’ mal explicada com a mãe, que era mais um personagem do que uma pessoa, de tanto que buscou uma vida que nunca conseguiu encontrar, tal e qual um pinocchio em busca de se tornar real. E tudo termina muito mal para essa família.
A mãe comete suicídio e joga a culpa no Lobo, fazendo inclusive um discurso de despedida para seus pequenos alunos em plena sala de aula...deve ter sido bem tétrica essa cena. Já o pai tem uma despedida sincera na cama de um hospital, um episódio triste e cheio de significados e redenções para Lobão.
As páginas dessa autobiografia são aplicadas, entorpecem e dão um clima junkie ao produto final. Há drogas, carreiras espalhadas entre os parágrafos, numa quantidade que as vezes escapa ao controle. Não é a toa que as primeiras páginas se passam numa capela, onde Lobão e Cazuza se debruçam sobre o caixão de Julio Barroso e na alta madrugada chafurdam a última carreira em homenagem ao amigo suicida.
Pensava em lobão como um artista de poucos sucessos e nos anos 80 não era um dos preferidos. Ele sempre falou mais do que cantou. E no livro destila seu incômodo em relação ao mundo que habita, talvez por isso tenha lido tantas vezes Nisztchie, e ninguém faz isso impunemente. Suas tentativas de suicídio que o digam.
A obsessão por Herbert Vianna é patética, pois apesar das ‘coincidências’ os trabalhos são e sempre foram muito diferentes. Mas para João Luiz Lobo a coisa era séria demais... só para ele.
O envolvimento com o samba e com a marginalidade, o tempo na cadeia e a briga com as gravadoras dão o tom pesado da empreitada literária. E as notas que passam a constar a partir da pág 290 são exageradas, mais do mesmo puro. A explicação é de que são necessárias para mostrar que Lobão não tava viajando na sua prosa. Ora, ou você confia no autor ou não confia. Quanto tempo desperdicei quando o mais queria era provar pra todo mundo que eu não precisava provar nada pra ninguém, como diria seu Renato.
Sobra pouco espaço para o amor com Regina e menos ainda são as linhas dedicadas a filha. Isso não é gratuito, é emblemático. Lobão continua querendo espaço, o ostracismo talvez o levasse a Queda na Noite Escura definitiva, e talvez não tivesse tanta sorte quanto nas ultimas tentativas de desaparecer. Ele se diz uma pessoa melhor... melhor pra quem? Por que dizer isso? Parece querer convencer a si e não aos leitores. Quem é feliz de verdade não alardeia aos quatro ventos, deixa que perceçam, e se não perceberem que se explodam.
Leandro Mazzini, um amigo repórter em Brasília, disse que abriu as primeiras páginas e assim que percebeu que não havia nada de literatura no livro desistiu imediatamente. Pena, pois o que não falta é drama, aventura e tragédias... todos os ingredientes necessários a uma obra literária. Se não há forma, há idéias, conteúdo.
Lobão tem seu ponto de vista da sociedade em que vive, é contraditório, concessivo, atrapalhado, verborrágico, patético e exagerado, mas por isso mesmo vale a pena ser lido.
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