segunda-feira, 29 de setembro de 2008

UM DIA DE SOL



Aquela rua tinha algo de especial, talvez fosse o bosque. E um nome estranho: solidão. Na primeira vez que entrei, nem reparei o quanto o portão parecia antigo. Havia limo em toda a extensão, o verde e o marrom se mesclavam como uma sinfonia de cores e épocas distintas. Um portão eterno para algum lugar, qualquer lugar, todos os lugares...
Quantas vezes andei por esses jardins e árvores, que raramente deixavam os raios dourados tocarem o solo? Era perfeito ver a manhã passar, às vezes lenta, às vezes rápida demais, como um momento divertido, um sorriso fugaz, como os sete anos. E no vento que soprava, quase podia tocar a tarde, que chegava de repente e parecia um velho amigo, daqueles com quem podemos perder, ganhar, um dia inteiro. Mas, sempre vinha a noite, enganando com o brilho das primeiras estrelas, que tinha o olhar dos amores que deviam ser para sempre. E quem disse que que não foram?
Percebi movimentos numa calçada, que corria como uma trilha no meio do bosque. Perguntava quem teria colocado aquelas pedras brilhantes no caminho. Só então, percebi...eram diamantes! Não havia rotina naquela profusão de tons, semi-tons, degradées de azul e verde, vermelho e laranja. E não cansando os olhos, as pedras refletiam os desejos mais profundos, que por capricho, eram os mais simples.
Quando o frio aumentou percebi que havia algo errado, afinal, o que eu estava fazendo ali? Não havia nenhuma razão, nenhum compromisso inadiável, nenhuma viagem de negócio. Eis a resposta: eu andava por aquele caminho porque não havia motivo, porque ninguém disse para fazê-lo.
Senti uma saudade enorme das coisas que passaram, das palavras ditas, dos olhos que sorriam pelo simples prazer da existência. Era como se cada planta daquele bosque contasse uma história sobre o que teria acontecido se eu não tivesse dito, ou feito, as coisas do jeito que me lembrava. Fiquei diferente a cada futuro, todos com seus pontos de interseção. Então, para cada caminho, sobravam dúvidas. O futuro seria, outra vez, e sempre, de saudades. A busca incessante por completar uma história sem fim.
Uma tristeza me tocou, de leve. Foi aí que ouvi uma voz soprar meu nome. Como nunca antes. Era como se, de repente, o acaso dos dias passasse a fazer todo o sentido do mundo. Virei rápido e a vi sentada, sorrindo. Os cabelos dourados tinham um brilho especial, um por-de-sol que só acontece quando o coração está na primavera. Os olhos azuis eram uma armadilha, um oceano. "Senta aqui", ela disse.
Conversamos sobre a vida, o que nós fazemos dela, das desculpas que criamos para que a felicidade esteja sempre presa a um futuro, um plano para amanhã. E nunca é amanhã. Ela continuava sorrindo, por que queria? Por que não? Três... quatro estrelas riscaram o céu. Quando dei por mim, estávamos de mãos dadas, caminhando. Caminhando para algum lugar, para lugar nenhum, para todos os lugares.
O bosque parecia, então, sem fim, e quando seu rosto tocou o meu, tudo ficou estranho. Sabia que nunca mais poderia deixar aquele verde incessante, não escaparia daquele azul que me fitava de um jeito tão sincero que causava espanto. "Por que roubastes o meu coração?", perguntei. "Porque tu roubastes o meu também", ela disse.

ELES ESTÃO ENTRE NÓS... OXENTE!!!



Sobral estava em festa. Finalmente o primeiro astronauta brasileiro faria uma viagem a outro planeta. Ariosvaldo Matoso era o seu nome. Depois dos artistas e políticos famosos, era a hora do Ceará brindar o Brasil com um herói espacial.
Desde pequeno, Ariosvaldo era um cara cabeça. Era o menino que organizava as brincadeiras, ajudava os pais, e se destacava na cidade. Ainda adolescente, ganhou um concurso e foi estudar no Rio de Janeiro. Com 18 anos, o Crânio, como era carinhosamente apelidado pelos colegas de faculdade, foi para os EUA. A grande facilidade para lidar com as exatas e o amor que desenvolveu em relação a Astronáutica fizeram com que se tornasse membro do grupo que faria a primeira viagem tripulada a Marte.
No dia do lançamento da nave Stranger, Sobral parou. O Ceará parou. O boné usado por Arizinho, o filho mais novo de dona Setembrina e seu Molêncio, foi exposto em praça pública. Ariosvaldo nunca tirava o seu bonezinho, a não ser quando esquecia o carrinho da feira e tinha que trazer alguma melancia dentro dele.
O prefeito mandou instalar um telão na praça principal da cidade. Um a um, os cinco astronautas entravam na Stranger. Turistas e parentes distantes perguntavam quem era o Arizinho, e todos diziam, " É aquele ali, o do capacete maior!". Antes de passar pela porta da nave, o filho mais famoso de Sobral quebrou o protocolo – coisa de nordestino- e deu um adeusinho para as câmeras. Muitos conterrâneos choraram de emoção.
A família do astronauta ganhou as páginas das principais publicações do país e do mundo. Programas de televisão contavam a história do cearense que foi para o espaço. Até uma estátua, feita de mandacarú, foi erguida em homenagem ao menino porreta.
Os dias à bordo da Stranger eram transmitidos pela Internet em tempo real. Assim, o Brasil acompanhava o entrosamento de Ariosvaldo com os outros tripulantes, todos norte-americanos. O rapaz flutuava na gravidade zero, e alguns amigos de infância riam ao ver Arizinho de cabeça para baixo, totalmente desgovernado, batendo nos cantos da nave. "Vixe, parece um vampirinho cabeçudo", diziam. Todos se divertiam vendo aquele Big Brother intergaláctico.
O dia mais aguardado era o do pouso em solo marciano, e ele chegara. O mundo parou naquele 5 de maio. O avanço tecnológico permitiu o envio de sondas com câmeras de última geração, que já estavam no planeta para registrar, de vários ângulos, a chegada da tão aguardada Missão.
A nave descia, e deixava de boca aberta aqueles que conheciam o garoto de Sobral. Antes de deixarem o módulo, os astronautas ouviram o hino americano e um trecho do brasileiro. Então, lentamente, começaram a descer. Estavam juntos, de mãos dadas. Steve Austin fincou sua bandeira no terreno e Ariosvaldo repetiu o gesto com a bandeira brasileira. Ele trazia consigo um embrulho embaixo do braço esquerdo. Os países do Ocidente explodiam em festas, Sobral recebia visitantes de várias partes do globo.
De repente, sem que a maioria das pessoas notasse, uma estática começou a tomar conta das imagens. Quando a recepção voltou ao normal, todos perceberam que os astronautas não estavam mais sozinhos. Havia algo com eles. Os heróis da Terra estavam juntos, pareciam estar com medo. Ariosvaldo, no entanto, não demonstrava temor. Um close mostrava que ele estava...rindo.
Marte era realmente habitada. Os seres não tinham mais que 1,20m, e, ainda que não se conseguisse um imagem nítida, dava para se notar que eram levemente parecidos conosco.
Ariosvaldo, então, fez o que ninguém esperava: respirou fundo e tirou o capacete. "Ai meu Deus, o minino vai pegar um resfriado!", gritou dona Setembrina. Mas, Arizinho não parecia sentir nada, o que causou espanto no mundo inteiro.
O filho ilustre de Sobral caminhou em direção aos pequenos seres e ofereceu um presente. A criatura que recebeu, desembrulhou e apresentou aos colegas, que davam pulos de alegria. Depois, numa confraternização universal, Ari foi abraçado pelos seres. Os cearenses não demoraram a descobrir que o presente de Arizinho era uma rapadura. Isso sim, era produto de exportação.
Arizinho pegou um dos seres pela mão e o levou até uma das câmeras.
- Oi mãe, eu nun disse que incotrava ele? Fala alguma coisa, abestado.- Apontou para o hominídeo.
- É isso aí, Setembrina! aqui é o primo Severino, fazendo contato. Aqui em cima tá tudo bem. Quero mandá um chêro pra Dulcinéia, um abraço pro tio Noca...